segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Mikigak

Hoje, no tédio de uma tarde chuvosa, milhares de palavras perdidas vieram a mente e eu as fui escrevendo e organizando, ora eu deitava para dormir e vinha uma frase ou uma palavra na cabeça e fui escrevendo tudo e saiu isso:

Mikigak
Eu estou atracado no porto de minh'alma,
meu coração ululante como as vozes de mil amantes
e como a chama de todas as vidas
Jaz inquieto em meu peito impuro e ofegante.
O particípio dos meus sonhos,
o gerundismo dos meus amores;
eu aperto firmemente o laço
e espero o próximo porto desconhecido.
Desembarco sempre onde meus pés não alcançam o chão
e onde meus olhos mal podem ver as formas.
Hoje serei o amante de quantas Julianas?
O passa-tempo de quantas Valérias?
O amor secreto de quantas Anas?
O eterno confidente de quantas Isabelas?
A inalcançável espera de quantas Saras?
Apunhalado por quantas Fernandas?
A dúvida agoniante de quantas Biancas?
A idealização do mutável para quantos de mim?
O vento sempre sopra no cais e me arremessa contra tudo.
Ó Deusas gregas da beleza, Ó Deuses egipcios da morte!
Existe uma voz sem rosto a me guiar no deserto
enquanto o vento voraz escoa pelas frestas das rochas.
Eu escuto os deuses falando na sombra noturna do Asir
e misturo o arabesco ao helênico por simples capricho.
Ó catenárias do meu eu interior, que sustentam com leveza
a densidade de quem sou.
Corro nu numa isolada praia do mar do sul.
Há cascalhos por toda a estrada,
Há uma mística negra sobre os Carpatos.
Há um imutável olhar para a lua cheia da meia noite
Há amantes, assassinos e prostitutas nas orlas
e eu sou todos eles, eu cultuo a lua e amaldiçôo o sol
e no outro dia celebro a vida e condeno a morte.
acabo por não ser falso com ambos, mas o oposto
do que fui horas atrás, pois até o que está morto muda
apodrece, se desfaz e volta a reintegrar tudo.
Viestes do tudo, fostes tudo e ao tudo voltarás.
Caminho a passos largos nas estradas largas de meu sentimentos
e a passos bem apertados nas ruelas de minha razão.
Há um pálido homem a se jogar do alto do píer,
há centenas para condená-lo de suicida
e ninguém para compreender a poesia de sua vida e de sua morte.
Não entendo o sentido de pássaros engaiolados,
tira-se 50% do seu propósito de viver.
Não entendo os cachorros da cidade, eles não são filhos do concreto
assim como eu também não sou!
Descubro que cada vez que atraco em algum lugar
me deparo sempre com meus mesmo sentimentos e
não importa o quanto eu queira ser tudo
eu só consigo ser eu mesmo, eu sou apenas um nada
um ninguém que não trás riqueza material alguma
apenas uma maluca e intensa vontade de ser o alfa e o omega
de compreender e realizar o inicio, o meio e o fim,
mas sem que ninguém saiba que um dia eu estive aqui.
Não vejo sentindo em contar e mensurar meus sentimentos
já que ninguém pode vive-los e amá-los como eu.
Procuro a melodia em minhas cordas vocais desafinadas e
os sustenidos e bemóis em meu sangue arterial.
Porém, só posso ouvir duas notas retumbantes e marciais: 
O Tum Dum, estrondoso e ensurdecedor de meu coração
que mais se parece o estouro de uma manada de búfalos africanos
enquanto na minha cabeça se assemelha ao vento por entre as folhas.
As mãos calejadas de um trabalhador,
as mãos ensangüentadas de um caçador;
as mãos sujas de uma vagabunda;
as mãos desesperadas de um viciado;
as mãos firmes de um guerreiro;
as mãos delicadas das antigas princesas;
são todas elas que esquartejam minhas vontades e meus sentidos
e levam-me na contra mão de minha vida.
Sou puxado em todas as direções e tento vagamente
encontrar o gradiente, o divergente e o rotacional de mim mesmo.
Formas vagas de carbono me cruzam anonimamente pela rua.
Lá fora a chuva cai, a água escoa pelas calhas
e a precipitação soa tão metálica.
Só hoje eu te perdi de todas as formas possíveis
e te ganhei de todas as outras maneiras.
Eu sento na beira da calçada e rio como um bêbado
e conto minha vida a um estranho que dizia entender.
Cruzo cada fronteira e percebo que quantos mais tento
mais me afasto do que quero ser.
Formas indecididas e um olhar obliquo.
Uma prostituta na esquina e um general na sarjeta,
uma criança é deixada em um beco escuro,
um senhor é vitima de fratricídio,
e um padre se suicida em seu banheiro,
todos vitimas dos medos, dos erros, todos as mesmas pessoas.
Há muitos sonhos atados atrás de olhos enjaulados por burcas,
Tatuo em mim o nome de todos os santos e de todos os demônios
levanto altares a todos os deuses pagãos, invoco Perséfone
faço um trato com Hades e cultuo Bafomé.
Al azif, Al azif!
Não importa o quanto eu fuja, todos os caminhos me levam a um beco
no âmago amargo e limitado do meu ser.
Eu não sei quem eu sou e faço questão de não saber, pois
o que eu sou, o que eu vivo, o que quero ser são coisas intangíveis.
Vejo suaves formas geométricas por trás das minhas vontades
tento equacionar meu ser, trabalhar com métricas riemannianas,
com deltas de Dirac... em vão....
Aporto em cada vida, em cada sentimento doentio ou nobre
conheço amores mortais, vidas mornas no campo
vejo mortes aterradoras e meu maior amor se desmoronar.
Edificações do meu ser... começo uma reforma intima,
quebro todas as paredes e abano os meus sonhos emaranhados
em seus cabelos no tapete da sala de estar.
Meus sentimentos são como as ruas da Índia
e meus desejos são como lanternas chinesas.
Tantas vias cruzadas, tantas vidas desencontradas,
sinto em mim o gosto de todos os amores da minha vida,
que são todas as mulheres do mundo.
Quero conhecer cada boca em bali;
cada olhar em Madri;
cada toque em Frankfurt;
cada tempero da síria
e em Barrow,
Nakuagikpakpin, Tautugniaqmiġikpiñ!
me diz uma moça sem nome, lá não existem arvores....
D-CODE 03/01/2011 

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